VERLO



Dia de recolher os pedaços que ficaram pelo chão.
Caminhei como vidro, ainda que trincado, por muito tempo.
Agora sou um caco.

Tornei-me tão insuportavelmente bom, translúcido e quebrei
 - de dentro pra fora.
Não sei mais como continuar daqui, 
porque minha função agora só será ferir. 
Estou afiado demais...não por escolha. Efeito natural da colisão!

Do que mesmo eu fui espelho?
A quem mesmo refleti?
Como mostrei a imagem formada?
Não importa, a projeção era invertida desde o começo.
Lia ao contrário e entendia só o que eu queria ver. 
Talvez porque tenha chegado perto demais.

E agora eu só sei me cortar.
Não vejo mais a mim. Não te reconheço. 
O sangue goteja pelos braços e as pernas ainda trêmulas. 
Minha voz sai calma e cansada, vulnerável mas não vítima!

Materiais frágeis não ficam ilesos às mudanças
e eu não transportei com o cuidado suficiente.

Tem bagunças que se arrumam sozinhas, outras só se você limpar.
A verdade é que não se arrumam sozinhas não; outra reflexão desfeita.

É politicamente correto reciclar? Não me importo.
Prefiro ser um vitral bem bonito.
Porque quando bate luz,
as formas  dele se revelam
mesmo que ainda sejam cacos!

Só aprecia a verdadeira beleza quem a vê por detrás.
Só entende a totalidade quem tem coragem de ver do avesso.

Dia de estancar tudo e procurar pelas peças no caminho.
Juntá-las me torna bom. Comigo.
Deixo de ser invisível aos meus próprios olhos.

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